Paulo Mendes Campos (1922-1991)

Paulo Mendes Campos (1922-1991)

Foi essencial. O escritor/poeta que mais me influenciou em diversas áreas eimage modos de pensar e sentir: vida, sabores literários, escrita, estilo, pontuação (a noção exata do ponto-e-vírgula), atitudes..., desde o ano de 1957. Através de Paulo, fui atrás de Rimbaud, Verlaine, Auden, Freud, Bernanos, Shelley, John dos Passos, Homero, e dezenas de outros autores. Recentemente, reli toda sua obra – crônicas e poesia. Seu Diário da Tarde nunca saiu da mesa de cabeceira.
O texto abaixo foi provocado pela leitura de seu livro Os Bares Morrem numa Quarta-Feira (1980). Somente deverá ser apreciado por aqueles que o leram tanto quanto eu.
 Ei Paulo! Que houve, Paulo? Eu mudei, ou foram as fantasias que tu bordavas com a palavra escrita? Que é do malabarista do verbo? Caiu no picadeiro? E como o Cocteau fica com isso?
E a melopéia, Paulo? Ler-te era o mesmo que cantar. Decantou-se o canto do conto encantado? Que é do anjo bêbado? E do seu domingo azul do mar? E a palavra, agora passa despercebida? E tua poesia, aquele ritmo, Paulo, acabou-se numa quarta-feira?
(É claro que teu livro é ótimo, mas...)
Contigo, aprendi a noção exata do ponto-e-vírgula. Viajaste, Paulo? E tua bagagem, Malarmáica bagagem, Paulo? Tu calçavas – doía mas calçavas – Eliots escuros sobre um par de Pounds furtacor. Como estavas magro, enfiavas teu transparente Mauriac afivelado no terceiro Bernanos, que te apertava, não, apenas cintava tuas mal vincadas Toynbees. Sempre preferiste uma Paulklee enxadrezada, mas ocasiões te obrigavam a uns Picassos incômodos. Continuas sempre entornando teus Valerys noturnos? E Joyce, ainda te dá nos nervos? E rabanetes, ainda preferes rabanetes, ou mudaste tanto que já comes bife? E teu lirismo, Paulo, passou, como teus pentes? Rosa ainda é um chato, apesar dos diadorins? Ei, grande bandeirante da policrômica crônica, estás angustiado? Por quê? Tua matéria prima ai está, o aurélio inteiro aguardando tua mineira lavra; mágicas acrobacias líricas em signos reinventados, nunca liguistícos e morfêmicos. Matéria prima para teu kafkiano coquetel com a vida.... nos bares.
Te guardo
Velho
Te aguardo
Novo
Te guardo
Em velhos
Te aguardo
Em novos
(textos)
P.S. Pois é! Você pode replicar que os Eliots nunca apertaram seus pés, e sim, o gogó; e que Pound ser furta-cor é uma heresia cromática; e que Paul Klee não metaforiza uma camisa. Paul Klee é puro anel. Só espero que, se você o fizer, faça em PMC maior, clave phoebica, PRESTO!
(Luis Alfredo que conhece Maria Alice, que conhece Adriano Lisboa que conhece Paulo Mendes Campos, Jardim Botânico, 1980)

...Se esse avião caísse em um domingo azul,
um peixe até a pedra nadaria;
não encontrando meu anzol,
ao alto mar regressaria;
desse desencontro
tecido de tão lindo equívocos,
a sua carne se salvaria;
e o domingo azul do mar
ainda mais azul reluziria.
(Estrofe final do poema Um Domingo Azul do Mar)
Pela tua rubra entranha, aberta
(incerta fúria de rosas, desperta)
Pelo ritmo de lua
de tua impossível serenidade nua...
Pelos regatos de tua saliva...
Pelas tuas ondas púbicas...
Pelas tuas frestas úmidas...
Pela orgia mansa de minha língua louca
E pelos gemidos de tua voz rouca...

Pelas tuas formas góticas
E pelas tuas papoulas eróticas...
Pelos teus cabelos jônicos,
Ombros dóricos, contatos iônicos...

Pelas meiguices satânicas
De tuas garras balsâmicas
Pela tua boca - puro mel
Pelos meus erros - puro fel
...eu vou te encontrando
...eu vou te entendendo
...eu vou te amando
...e vou te esquecendo
( P.M. Campos e LAMC, 1980)
Ditos vários
Hoje sou aquele que acorda de madrugada e estremece de desgosto de si mesmo ao lembrar que há pouco tempo, e durante muito tempo, feriu irremediavelmente a quem amava. (Esse texto me levou até a Ballad of Reading Gaol, de Oscar Wilde)

A vida é o que existe...e não é razoável.

Aí dei com uma fotografia, dessas que me assustam devagar.

Quisera ter o bom-senso pateta de Alice, e poder coagular aquele nosso tempo onde a vida era conto e canto.

Você talvez andasse no ar, como os arcanjos.

...Bebemos para empatar com o mundo...na esperança de igualar o marcador.

Os mortos estão mortos, os vivos escaparam, e há um programa a ser executado.


...nascidas de um sentimento de amor mal administrado

...o bom-senso pateta de Alice.


...presidiários da ternura… andarão por toda a parte acorrentados, atados aos pequenos amores da armadilha terrestre.

O fogo adolescente que trazia era tão intenso que não conhece maturidade (sobre o poeta P. Shelley).

Os mortos estão mortos e os vivos escaparam e há um programa a ser executado

O neurótico é o indivíduo com imaginação e sem ritmo. O poeta é o neurótico com ritmo.

Stravinski fragmenta o som, Picasso a forma, Freud a psique, Russel a lógica, Goedel a lógica de Russel, Einstein o átomo (Sobre a década de 1920)

No princípio do amor, outro amor que nos precede adivinha no espaço nosso gesto. No princípio do amor, o fim do amor.

Bebemos para empatar com o mundo, na esperança de igualar o marcador (sobre a frase de Bogart “todo homem está três doses abaixo do normal”)


Os grandes solitários: Poe, Orfeu, Dante, Jó, Cristo, Lautrec, Abel, Hart Crane, Rilke

Mas Deus é também o grande boêmio; ele passou por tua noite quando bebias teu penúltimo copo de vinho; talvez não o viste, mas teus sentimentos se aceleraram, e bebeste um gole inquieto e enxugaste teus lábios com o dorso da mão e sentiste saudade de tua casa.

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