Arthur Dapieve (1963- )



Artur Dapieve (1963- )image

Escritor, jornalista, crítico musical, erudito sem ser pedante, com humor ponteagudo, e autor de inúmeros ditos bem ditos.
Quem, como eu, poeta alternativo e eventual, não tentou descrever ou poemar sobre essa palavrinha encantada – Amor? Pois bem, Dapieve, inspirado em um olhar de Saramago em Pilar, conseguiu condensar em uma única frase um verdadeiro tratado sobre o assunto, Inigualável. O resto é redundância.
Amar é olhar a bunda da própria mulher
A frase acima está no final de crônica (*) publicada em O Globo, em 01/11/ 2010, sobre o filme-documentário de Miguel Gonçalves Mendes – José e Pilar.
 
“Noutra cena, Saramago está prestes a ser entrevistado por uma rádio espanhola . Pilar se debruça sobre ele, no escritório de Lanzarote , para ajeitar o telefone e os pesados fones de ouvido . Consciente da presença da câmera , ele disfarça , dá uma olhadinha para a bunda da mulher , dá-lhe uma palmadinha , continua a olhar de soslaio , fazendo-se de sonso.
É isso. Amar é … olhar a bunda da própria mulher
Pensem nisso! Pensem além da frase, pois ela é metáfora de todos os extremos, atravessando rotas variadas entre o amor-paixão e aquele amor eterno e amadurecido entre dois, não importando a idade, ele sempre atento à bunda dela!
Conheço outra versão que é um plágio-paráfrase do dito original:
Amor é quando o marido ainda olha a bunda de sua mulher! (2010)
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(*) Ler o texto na íntegra.
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Eduardo Galeano (1940- )

Eduardo Galeano (1940- )

O escritor uruguaio Eduardo Galeano surgiu no Brasil clip_image002
em 1971, ainda na ditadura militar. A América Latina, a região das Veias Abertas, é o cenário onde ele monta sua tragédia, documentando e analisando a exploração econômica do continente, inicialmente pelo capital europeu e depois pelos Estados Unidos. Era uma leitura obrigatória e estarrecedora. Mais tarde, continuou divulgando denúncias abomináveis de regimes opressores do.terceiro mundo, mas também publicou ditos malditos e bemditos. O Livro dos Abraço e Espelhos são releituras freqüentes (curta amostragem abaixo).
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“- Se você morrer eu te mato!”
(Uma mulher despedindo-se do pirata Henry Morgan,
seu amante, prestes a partir em viagem
)
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Um poema sumério onde o alcool foi absolvido em caso de acidente:
”- A cerveja é boa, o caminho é que é ruim”
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“Todo mundo é mortal, até o primeiro beijo ou o segundo copo”
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“Não consigo dormir. Tenho uma mulher atravessada entre minhas pálpebras. Se pudesse, diria a ela que fosse embora, mas tenho uma mulher atravessada em minha garganta”
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Axel Munthe (1857-1959)

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De tempos em tempos eu pensava em fadas, duendes, unicórnios, vampiros, feiticeiras… mas pensava sempre em qual seria a reação de alguém ao se deparar com uma dessas fantasias materializadas. Um dia, ao ler o Livro de San Michele, encontrei uma dessas respostas:

E se no bosque encontramos uma fada urge fugir nesse momento, pois se voltamos o rosto para olhá-la estaremos perdidos; deita-nos os braços ao pescoço tira-nos o sono dos olhos e a medula dos ossos, antes de partir voando. Aquele que tropeçou com uma fada silvestre não voltará mais a ser como era dantes; foge dos homens, segue por caminhos solitários e dizem todos que há qualquer coisa de estranho em sua figura.

Bhagavad Gita

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Bhagavad Gita (em sânscrito: भगवद्गीता)


A Canção de Deus – é a essência do conhecimento védico da Índia e um dos maiores clássicos de filosofia e espiritualidade do mundo. Faz parte do épico Mahabaratha, datado no Século IV a.C. O texto, escrito em sânscrito, relata o diálogo de Krishna (uma das encarnações de Vishnu) com Arjuna (seu discípulo guerreiro) em pleno campo de batalha. Arjuna representa o papel de uma alma confusa sobre seu dever, e recebe iluminação diretamente de Krishna, que o instrui na ciência da auto-realização. No desenrolar da conversa são colocados pontos importantes da filosofia indiana, que incluía já na época elementos do bramanismo (Wikipedia). O Mahabaratha é o mais longo poema já escirto, com cerca de cem mil versos. É uma coletânea de narrativas onde o tema central é a história dos descendentes do Rei Baratha. É Velho Testamento dos hindús.
Fui levado até o Gita pela soma de duas ocasiões. A primeira após ler dois versos dos Upanishads em O Fio da Navalha (S.M) e a segunda quando li trechos soltos do Mahabarata, em 1964, de onde destaco o diálogo abaixo:
– De todas as maravilhas do mundo qual a mais maravilhosa?
– Que, embora vendo outros morrendo ao seu redor, nenhum homem crê que ele próprio um dia vá morrer.
O Tridente de Shiva, chamado em sânscrito como Trishula, é a arma de Shiclip_image004va com a qual Ele destrói a ignorância dos seres humanos. As três pontas representam as três qualidades (Gunas) da matéria: Inércia (Tamas), Movimento (Rajas) e Equilíbrio (Sattva). A busca do iniciado começa em buscar Sattva e termina quando transcende todas as qualidades da matéria, quando, então, se atinge Moksha, a Libertação, que é objetivo final de toda prática verdadeiramente hindu

Somerset Maugham (1874-1965)

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Somerset Maugham (1874-1965)

Copacabana, 1961. Comecei a ler o Fio da Navalha indo de bonde para a universidade. Saltei no Lido, e o terminei em um só fôlego. Contudo, durante 50 anos, o que permaneceu na memória (1) foram esses versos do Katha Upanishad, registrados no frontispício do livro e de onde o autor retirou parte para o título:

 

Difícil é andar sobre o aguçado fio da navalha;
E árduo, dizem os sábios, é o caminho da Salvação (2).

Na verdade, eu o li por causa dessa citação, procurando na história alguma conexão com ela. Não encontrei (1). Nada me recordo (1)  do enredo, mas valeu pela ponte atravessada para ler os Upanishads e o Bhagavad Gita (A Canção de Deus), texto sagrado hindú do séc. IV a.C.

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(1) Provocado e agradecido pela observação de Beatrice (ver seu Comentário abaixo), reli o livro, após 50 anos, e me espantei com meu próprio esquecimento.
Beatrice tem toda a razão. A citação completa dos Upanishads poderia, até mesmo, ser o próprio título. Fico a pensar sobre o motivo de ter bloqueado totalmente a própria essência da obra de Maugham.

A ação se dá entre os anos 1920 e 1940. O protagonista é um jovem burguês americano, Larry Darnell. Após a Primeira Guerra Mundial, onde seu colega de combate morre ao tentar salvá-lo, Larry retorna para sua cidade natal, Chicago, ainda em estado de choque. Decide abandonar os confortos materiais para buscar o sentido da vida. Em pouco tempo, resolve adiar seu casamento com Isabel e parte para Paris, onde leva uma vida de procura e aprendizado, circulando pelos cafés e bares e lendo livros sobre o Nepal e a Índia.

O inexorável mistério da morte leva-o a questionar o significado último da frágil condição humana e a embarcar numa obstinada e redentora odisséia espiritual.

Entusiasmado com a possibilidade de um mundo sem conflitos, Larry viaja para aqueles países em busca de iluminação espiritual, o que seria uma parte autobiográfica de Maughan, ele mesmo tendo percorrido esse trajeto na década de 1930. Após alguns anos, totalmente transformado, Larry reencontra em Paris Isabel e vários amigos americanos que haviam deixado os EUA após crise financeira de 1929.

“O homem sobre quem escrevo não é célebre; talvez nunca chegue a sê-lo. É possível que, ao atingir o fim da vida, não deixe, de sua passagem pela terra, vestígio maior que aquela pedra que, atirada ao rio, marca a superfície das águas com ondulações efêmeras. Neste caso, se o meu livro for lido, sê-lo-á exclusivamente pelo interesse intrínseco que possa ter. Mas é possível que o gênero de vida que esse homem escolheu para si próprio e a singular força e doçura do seu caráter tenham uma influência sempre crescente sobre seus semelhantes, de modo que, mesmo muito tempo depois de sua morte, talvez se compreenda que nesta época viveu uma criatura extraordinária. Ficará, então, claro sobre quem escrevi neste livro, e aqueles que desejarem conhecer alguma coisa dos primeiros anos da existência desse homem talvez aqui encontrem algo que lhes satisfaça…”

(Somerset Maugham, in Capítulo 1, O Fio da Navalha)

Observação: a postagem original, de 15 Outubro de 2010, permanece, agora com o footnote (1). Essa, digamos, “retratação, é de 25 de Fevereiro de 2011.

***

(2)

"The sharp edge of a razor is difficult to pass over;
  thus the wise say the path to Salvation is hard."

Nada Moghaizel Nasr


Nada Moghaizel Nasr
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Professora e Decana da Faculdade de Ciências da Educação – Université de Saint Joseph, Beirute, Líbano. Uma das principais figuras da francofonia libanesa e autora de livros de sucesso, notadamente.Images Ecrites et D’autres Images Ecrites. Ela conta das coisas simples em uma linguagem sensível e sensual.
E dessa escritora libanesa um comovente texto sobre o aprendizado da língua pelo infante. A língua indissociada da poesia emanada pela “voz tão bela” da mãe. A “beleza das palavras era tanta que elas continham até mesmo aquilo que ainda não conhecíamos”. (Mais uma descoberta de minha irmã Maria Antonia).

C'EST PAR LA POÉSIE
Cest par la poésie que nous avons appris la langue.
Cest à partir de cette beautê sur notre peau que
nous sommes entrés dans le vocabulaire, à notre insu.
Cette situation ou l'on comprend malgré soi.
Nous ne savions plus dans quelle languenous lisions.
Cet état de perte, d'oubli.
Ou l'on oublie même quel est le vocabulaire
que nous possédons pour comprendre.
Cette beauté qui dépasse tout savoir.
Nous comprenions ces poetes avant de comprendre la langue.
La beauté rend les choses intelligibles.
Par la beauté la pentecôte alieu.
Nous étions petites encore lorsque nous nous
faisions caresser, consoler par les mots.
Une maman avec une voix tres belle
nous asseyait sur son grand lit et nous les
offrait en cadeau, le soir apres l'école.
C'est sur ce !it que nous avons appris
la langue, en rentrant de l'école.
Nous ne savions pas qu'un jour nous y puiserions
tant d'énergie, une identité, un bonheur de vivre.
Nous ne savions pas qu'un jour nous lirions jusqu'aux larmes.
La beauté des mots est si grande, qu'elle
contient même ceux qui ne les connaissent pas.

Images Écrites, p. 99. Ed. Dar An-Nahar, Beirute, Líbano, 2004.

Seus livros somente podem ser encontrados em uma única livraria de todo o território francês, a Metaphore Diffusion, na cidade de Ciboure, Departement des Pyrénées-Atlantiques. Encomendas pelo site www.metaphorediffusion.fr

Gilgamesh

Gilgamesh

  Gilgamesh1 Gilgamesh Tablet
 

       Gilgamesh

Tablete Cuneiforme
(Museu Britânico)

     

A "Epopéia de Gilgamesh" narrra a história do mais famoso herói da Babilônia. O manuscrito (tabletes cuneiformes), em língua Acadiana, foi encontrado em Niniveh, na biblioteca do rei Assírio, Arsurbanipal (reinado entre 668 e 627 a.C.). A mesma lenda, em língua Sumeriana, data do segundo milênio A.C.

 

 Excerto da Epopéia de Gilgamesh

 

Gilgamesh, para onde vai tua pressa?
Nunca encontrarás a vida que procuras!
Quando os deuses criaram o Homem, Atribuiram-lhe a morte;

Mas a vida, essa ficou para eles.

Quanto a tí, Gilgamesh,
Satisfaze teu apetite de coisas boas;
De dia e de noite, de noite e dia,
Dá-te a danças e alegrias,
A festas e júbilos,

Que tuas roupas sejam novas,
Banha-te na água,
Acarinha o filho que te pega na mão
E torna feliz tua mulher no teu abraço.

Porque é isso que cabe ao Homem!

Sin-leqe-unnini, um escriba que viveu na Babilônia no período Kassita (~ 1600 a.C) seria o auor da versão da Standard Babylonian Version of Gilgamesh.

Presente de Fernanda, 1982

Eu me pergunto se, e até que ponto, Guimarães Rosa, se inspirou na relação entre Gilgamesh e Enkidu, seu inseparável amigo, para relatar as aventuras de Riobaldo e Diadorim em o Grande Sertão, Veredas?

Inês Pedrosa (1962- )

Inês Pedrosa (1965-)INES-PEDROSA

Em junho de 2010, Maria Antônia, minha irmã, nos apresentou à escritora portuguesa Inês Pedrosa (Fazes-me falta e Em tuas mãos). Minha mulher Ligia leu primeiro e insistiu. Que descoberta! Jornalista e escritora, autora de livros delicados que falam do amor, do desejo, da amizade, do desamor, do ser no mundo, do mundo no ser... Sua narrativa é tão rica de imagens e metáforas que, com frequência, impedem uma leitura corrida e linear. Cada parágrafo, ou mesmo uma mera frase, provoca uma rápida revisão. E aí, você instantaneamente para e repensa, e prossegue nessas espirais até o final da obra.

Depois que li os textos abaixo, não havia mais como escapar. Quis ler tudo.

  Não basta morrer para conhecer o sorriso de Deus…
Deus procura primeiro os que sofrem antes do conhecimento específico da dor, talvez porque os outros sabem demasiado para poderem ser salvos.

(Fazes-me falta, 2002)

Arrumei os amores, é a primeira regra da vida – saber arquivá-los, entendê-los, contá-los, esquecê-los. Mas ninguém nos diz como se sobrevive ao murchar de um sentimento que não murcha. A amizade só se perde por traição – como a pátria. Num campo de batalha, num terreno de operações. Não há explicações para o desaparecimento do desejo, última e única lição do mais extraordinário amor. Mas quando o amor nasce protegido da erosão do corpo, apenas perfume, contorno, coreografado em redor dos arco-íris dessa animada esperança a que chamamos alma – porque se esfuma? Como é que, de um dia para o outro, a tua voz deixou de me procurar, e eu deixei que a minha vida dispensasse o espelho da tua?

(Fazes-me falta, 2002)

 
  Termino com uma das lições que aprendi com essa escritora mestre:
“demasiado tarde” seriam “das palavras mais tristes de qualquer língua”.

Uau! Essas palavras não precisam nem ser pronunciadas para estar presentes, como no triste fim de Romeu e Julieta. Ou quando surgem no cotidiano das nossas relações. As conseqüências são sempre melancólicas ou trágicas.
 

***

Ivan Lins (1945-)

Ivan Lins (1945-)

Nasci três vezes. Primeiro em Sergipe e depois no Rio de Janeiro com um ano de idade. Por fim, nasci novamente em Abril de 2010, e desta vez para sempre. Quem já passou por uma depressão sabe o que estou dizendo. Descobri que a vida era uma coisa muito interessante, e que minha vida foi e poderia continuar sendo muito interessante. Ainda mais, “que a vida pode ser maravilhosa”.

Vitoriosa
(Ivan Lins/Vitor Martins)
Quero sua risada mais gostosa
Esse seu jeito de achar
Que a vida pode ser maravilhosa...
Quero sua alegria escandalosa
Vitoriosa por não ter
Vergonha de aprender como se goza...
Quero toda sua pouca castidade
Quero toda sua louca liberdade
Quero toda essa vontade
De passar dos seus limites
E ir além, e ir além...
Quero sua risada mais gostosa
Esse seu jeito de achar
Que a vida pode ser maravilhosa
Que a vida pode ser maravilhosa...
Quero toda sua pouca castidade
Quero toda sua louca liberdade
Quero toda essa vontade
De passar dos seus limites
E ir além, e ir além...